Tudo começa com um reencontro de amigas. Moradora de Nova York, Lydie (Naomi Ackie) retorna para visitar Agnes (Eva Victor) na casa em que moraram juntas, numa cidadezinha próxima à universidade onde cursaram o doutorado. Ali percebemos que Lydie amadureceu, está casada e volta a esse ambiente bucólico para reencontrar a amiga, que permanece na mesma rotina. A preocupação dela é evidente: será que a vida de Agnes parou depois do trauma que sofreu três anos antes? Mas esse “começo” é, na verdade, o antepenúltimo capítulo de uma narrativa em quatro movimentos, que alterna passado, presente e futuro.
A partir dessa construção fragmentada, Sorry, Baby se revela como uma doce canção sobre como enfrentar traumas, mas sem suavizar ou iludir a experiência dolorosa. O filme aborda um abuso sexual — um tema espinhoso que exige sensibilidade — e o faz de maneira rara: sem impor certo ou errado, sem simplificar, mas mostrando as camadas humanas que se revelam principalmente na amizade e conexão entre Agnes e Lydie.
“Como um momento de dor pode ressignificar a sua trajetória?” Esta parece ser a grande indagação de Eva Victor em seu filme de estreia como diretora, no qual assume as rédeas de forma brilhante, tanto como roteirista quanto como protagonista. Agnes é uma figura cativante, mas cuja interioridade permanece parcialmente velada — o que nos faz desejar conhecê-la melhor. O brilhantismo desta obra está justamente nessa conexão: no modo como permite ao público preencher as elipses entre os capítulos e construir esse caminho junto à personagem.
Embora o tema envolva um crime, a protagonista não busca uma punição legal; seu objetivo é simplesmente tentar se sentir bem, algo que nem sempre é possível. Em uma das cenas mais contundentes do longa — uma tragicômica seleção de júri dentro do tribunal — Agnes reflete que, se fizer uma denúncia, alguém do outro lado perderá um pai. É um momento de nuance moral que evidencia que a vida não é binária e que experiências traumáticas não têm soluções simples. Em contrapartida, é ao encontrar um gatinho abandonado que ela enxerga um raio de felicidade, direcionando seu carinho a algo mais frágil que ela naquele momento.

Sorry, Baby se constrói na empatia: vemos Agnes como alguém que carrega sofrimento, mas também humanidade e complexidade. Lydie, por sua vez, representa o olhar de quem observa e se preocupa, tentando compreender e apoiar sem invadir ou julgar. Já Gavin (Lucas Hedges), o vizinho que desenvolve uma relação afetiva com Agnes, é retratado com naturalidade e verossimilhança, encarnando formas de afeto contemporâneas sem artifícios. Entre diálogos belos e genuínos, a abordagem desperta identificação sem reduzir ninguém a arquétipos unidimensionais.
A narrativa em quatro capítulos, alternando diferentes momentos do tempo, exige atenção do espectador, mas oferece uma experiência emocional profunda. É um convite à introspecção: a história não termina com os créditos; ela permanece conosco, provocando reflexão sobre amizade, trauma e crescimento. Nesse aspecto, o filme se distancia de outra obra lançada este ano com temática semelhante no ambiente acadêmico — Depois da Caçada, de Luca Guadagnino. Enquanto o diretor italiano se apoia no suspense e no conflito moral, muitas vezes polarizando sobre assédio sexual, Sorry, Baby abraça a complexidade da experiência, construindo empatia e sugerindo um futuro de compreensão e resiliência.

O diálogo final entre Agnes e o bebê da amiga é emblemático, carregado de ternura e humanidade. É uma cena que resume o coração do filme: a vida segue, mesmo diante de traumas, e a amizade e a empatia tornam-se forças vitais. A beleza do filme está justamente na maneira como trata a dor sem reduzir ninguém a rótulos, mostrando que o caminho para lidar com experiências traumáticas é pessoal, multifacetado e cheio de nuances.
Com estreia mundial no Festival de Sundance, passagem pela Semana da Crítica no Festival de Cannes e quatro indicações ao Spirit Award, Sorry, Baby confirma sua importância e impacto no cinema contemporâneo. Eva Victor entrega uma obra autoral, sensível e profundamente humana, que equilibra a dureza da vida com a beleza da amizade e da resiliência. Poucos filmes contemporâneos tratam a dor com tanta honestidade — e, por isso mesmo, Sorry, Baby se torna marcante e uma estreia admirável.

Com distribuição da Mares/Alpha Filmes, Sorry, Baby estreia nos cinemas brasileiros no dia 11 de dezembro.