Keira Knightley é uma das atrizes mais versáteis da indústria e, mesmo anos depois de ter iniciado sua carreira no cenário do entretenimento, continua a nos surpreender com incríveis performances. Ganhando notoriedade por seu trabalho como Elizabeth Bennet na aclamada adaptação de ‘Orgulho e Preconceito’, dirigida por Joe Wright, e por seu icônico papel como Elizabeth Swann na franquia ‘Piratas do Caribe’, Knightley parece te desenvolvido um considerável apreço por produções mais misteriosas e conspiratórias, navegando pelo drama, pela comédia e pelo suspense com títulos como ‘O Estrangulador de Boston’ e ‘Black Doves’. Agora, ela retoma sua parceria com a Netflix para a adaptação do romance ‘A Mulher na Cabine 10’.
Baseado no livro homônimo de Ruth Ware, a trama acompanha Laura “Lo” Blacklock, uma jornalista investigativa que é convidada para uma viagem em um iate de luxo ao lado de uma dúzia de bilionários que irão celebrar o legado de Anne Bullmer (Lisa Loven Kongsli), esposa do magnata Richard Bullmer (Guy Pearce) que foi diagnosticada com leucemia e está nos momentos finais de sua vida. Lo, então, descobre que Anne pretende doar toda sua fortuna para a caridade após assinar uma versão atualizada de seu testamento e se pronunciar oficialmente par o público.
Porém, Lo percebe que as coisas são mais complicadas do que aparentam e se vê num antro de mentiras e artimanhas que se iniciam quando ela acidentalmente entra na cabine ao lado da que está hospedada e cruza caminho com uma mulher que ainda não havia conhecido no embarque. Na mesma noite, após um jantar onde conhece os outros bilionários e reencontra um caso romântico antigo na presença de Ben Morgan (David Ajala), ela ouve uma briga na mesma cabine e, pouco depois, testemunha um corpo sendo jogado ao mar. Desesperada e avisando à tripulação do que viu, uma busca para descobrir o que aconteceu se inicia – ainda mais quando não há qualquer indício de que alguém estava hospedado ao seu lado, quanto mais da misteriosa mulher que ela conheceu.
O longa-metragem bebe de incontáveis produções similares para achar seu tom, trazendo várias referências a obras de espionagem e de mistério: a atmosfera traz elementos que nos remontam a populares títulos do gênero, como ‘Garota Exemplar’ e ‘A Garota no Trem’, construindo um crescente mistério que coloca a protagonista em xeque contra suas crenças. E, como podemos imaginar, a trágica e traumática história de Lo é um dos aspectos que a torna alvo de escrutínio constante, sendo taxada de louca e histérica – seguindo os tropos de outras personagens desacreditadas e convidando o público a acompanhar uma jornada tour-de-force pela verdade e pelo que lhe compele a própria ética.
Trazendo todo seu conhecido carisma para o centro dos holofotes, Knightley faz um sólido trabalho ao encarnar toda a complexidade de Lo em um beco sem saída em alto-mar, levando-a em uma corrida contra o tempo e pela sobrevivência conforme enfrenta pessoas muito poderosas e cada qual com um motivo diferente para obrigá-la a parar de investigar. E, acompanhando a atriz, temos um time de ótimos performers que tentam extrair o máximo de arquétipos bastante familiares – incluindo Hannah Waddingham e David Morrisey como o casal Heidi e Thomas Heatherley, que mascaram uma tendência destrutiva com uma condescendência quase imperceptível, e Kaya Scodelario como Grace, que posa como o caso romântico de um dos bilionários e posa como “confidente” de Lo, alertando-a sobre possíveis inimigos.
Infelizmente, o maior sucesso encontrado pelo filme se resume às boas entregas dos atores e atrizes. A direção de Simon Stone é indiferente a quaisquer tentativas de inovação, preferindo o clássico jogo de gato e rato que coloca a vida de Lo em risco e que reitera o inescapável vórtice conspirativo a que foi arrastada. Responsável por adaptar o romance de Ware ao lado de Joe Shrapnel e Anna Waterhouse, Stone constrói uma mixórdia de frases feitas e uma condução narrativa que, apesar de não ser tão previsível quanto poderíamos imaginar, não sabe como arquitetar uma progressão coesa e, inadvertidamente, caminha em direção a uma reviravolta pautada num frustrante anticlímax.
Se o primeiro ato do projeto é construído com esmero, apresentando os personagens principais da trama e utilizando a backstory de Lo como força-motriz para suas incansáveis tentativas de entender o que está acontecendo e trazer a verdade à tona, os dois atos consecutivos gradativamente perdem força e brilho, deixando de lado pontos de apoio essenciais para arrebatar os espectadores e garantir que a resolução do mistério seja, no mínimo, aprazível. E, ao se esquecer de aparar os excessos e as múltiplas pontas soltas, o roteiro transforma o arco dos personagens em uma canastrice sem fim que ofusca as incursões de um elenco que também inclui Art Malik, Daniel Ings, Amanda Collin e Gugu Mbatha-Raw.
‘A Mulher na Cabine 10’ sofre do mal de uma ambição desmedida que não sabe de que maneira se portar em meio a escolhas equivocadas e quase amadoras. Apesar das tentativas claras de trazer o mínimo de entretenimento ao público, o projeto parece ter sido feito às pressas, resultando em um compilado de chances perdidas.