Em 2021, Brad Ingelsby ganhou atenção midiática ao dar origem a uma das minisséries mais elogiadas da HBO nesta década com ‘Mare of Easttown’. O drama criminal, trazendo Kate Winslet em um papel que lhe rendeu dezenas de prêmios, trouxe uma perspectiva nova e bem interessante ao gênero, apresentando estudos de complexos personagens envoltos em uma melancolia e um desespero constantes e inescapáveis. Quatro anos mais tarde, Ingelsby repete o sucesso de sua genial e críptica mente com ‘Task’, expandindo seu apreço por produções de suspense e crime e entregando um dos melhores e mais angustiantes projetos de 2025.
A trama traz o indicado ao Oscar Mark Ruffalo como Tom Brandis, um ex-padre que agora trabalha como agente do FBI, vivendo entre traumas que insistem em assombrá-lo e tentando manter o mínimo de uma convivência com a filha adotiva, Emily (Silvia Dionicio), enquanto enfrenta o fardo de ter o outro filho, Ethan (Andrew Russel), irmão biológico de Emily, encarcerado na prisão da cidade onde moram. Afastado dos trabalhos de campo, Tom passa os dias cultivando seu jardim e lidando com problemas passados e presentes, além de participar de feiras de profissão que nunca dão em nada.
Porém, as coisas mudam quando sua chefe, a impetuosa Kathleen McGinty (Martha Plimpton), escala-o como líder de uma força-tarefa formada pela inexperiente policial estadual Lizzie Stover (Alison Oliver), pelo detetive local Anthony Grasso (Fabien Frankel) e pela calculista e metódica detetive Aleah Clinton (Thuso Mbedu). Munidos com poucos recursos do FBI e escondendo-se em uma casa caindo aos pedaços, o grupo tem a missão de encontrar criminosos mascarados que invadem pontos de drogas para roubar dinheiro, incitando tensões entre as gangues da cidade e acendendo um barril de pólvora que pode explodir a qualquer momento. Esse trio de ladrões é liderado por Robbie Prendergast (Tom Pelphrey), estrela do segundo núcleo da narrativa – um homem que faz o que pode para cuidar de seus filhos e de sua sobrinha Maeve (Emilia Jones), mas que lida com a perda do irmão de maneira nada saudável.
Ao longo de sete episódios, Ingelsby mostra que ainda tem histórias muito instigantes para trazer ao público, e faz isso abraçando o terreno explorado em ‘Mare of Easttown’, mas sem se valer de repetições constantes. Como mencionado no parágrafo de abertura deste texto, o realizador promove uma certa expansão das temáticas esquadrinhadas no projeto anterior, construindo uma espécie de antologia seriada que analisa a subjugação humana numa condição inóspita, isolada e marcada por traumas e assuntos pendentes.
Essa continuidade estilística aparece em diversos elementos: Mare e Tom partem de uma premissa similar, escondendo as verdadeiras emoções em meio à necessidade de uma complacência inescapável e mandatória, principalmente pelos trabalhos que possuem. Ambos estão encarcerados em uma pequena cidade cujas alterosas árvores e verdejantes campos escondem segredos obscuros e os impedem de escapar de uma crueldade que soa inerente ao ser humano. Porém, Tom mostra-se mais fincado em uma esperança que provém de seu backstory e de sua afeição pela teologia e pela filosofia, algo que o permite enxergar uma centelha de luz dentro da escuridão. E essa complexidade não seria possível sem a presença irretocável de Ruffalo em um dos melhores papéis de sua carreira – e que com certeza lhe renderá uma indicação ao Emmy Awards.
Ingelsby sabe como explorar os conceitos de solidão e solitude como ninguém, reiterando uma letárgica melancolia através de escolhas imagéticas certeiras que vão desde o soft focus para alienar determinado personagem, até um filtro esverdeado que reafirma a angústia narrativa. E, enquanto o criador comanda com hábeis mãos a condução cênica, Ruffalo é acompanhado de estrelas que brilham tão forte quanto ele, com destaque à magnética performance de Pelphrey e à potente e crua entrega de Jones – esta apresentando um lado ainda não visto de sua versatilidade e praticamente assegurando indicações na próxima temporada de premiações.
É claro que a minissérie traz elementos já vistos em outras produções, mas é o tratamento dramático e quase catártico que o showrunner explora que a destoa de suas conterrâneas, engendrando reviravoltas inesperadas, batalhas com fantasmas do passado e uma corrida pela sobrevivência que deixa um rastro de sangue e mentiras no caminho. Eventualmente, os conflitos que existem entre os vários núcleos da atração são metáforas para uma dolorosa realidade que, ainda que não seja tão explosiva e mortal quanto a apresentada no show, ressoa em diferentes níveis com os espectadores.
‘Task’ poderia ter se rendido aos convencionalismos de incontáveis suspenses criminais do cenário televiso atual, mas Brad Ingelsby e seu time artístico têm plena ciência do que estão fazendo e trazem um toque diferente e original que permeia cada um dos arcos. Convidando-nos para uma experiência que vai além da engessada estrutura seriada e que nos envolve em uma sinestésica jornada, a nova minissérie da HBO é um acerto incontestável e supera quaisquer expectativas que tínhamos antes de apertar o play.
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