No mesmo ano em que o primeiro livro da série ‘Crepúsculo’ completa vinte anos desde seu lançamento mundial, a atriz Kristen Stewart, que interpretou a protagonista Bella Swan nas telonas, estreia na direção de longas-metragens. Coincidência? Claro que não. É que se por um lado nós, espectadores, nos acostumamos a engessar os atores em seus papéis de maior destaque, em igual proporção o tempo também passa, e esses profissionais desenvolvem suas habilidades e, de repente, somos surpreendidos por algo novamente impactante realizado por ele ou ela. É o que ocorre em ‘A Cronologia da Água’, longa em que Kristen estreia na direção e que foi exibido (e aplaudido por sete minutos) no Festival de Cannes este ano e também no Festival do Rio 2025.
Desde criança, Lidia (Imogen Poots, de ‘Natal Sangrento’) entendeu que seu refúgio era a água. Assim começou a competir na equipe de natação de sua escola, enquanto observava sua irmã mais velha, Claudia (Thora Birch), se desenvolvendo. Porém, à medida que crescia, Lidia começou a entender que sua casa, seu lar, era violento, e que seu pai abusava delas. Numa mistura de raiva e dever familiar, Lidia cresceu tentando entender seu lugar no mundo, e, quando ganha uma bolsa de desconto para estudar em outra cidade, conhece aí um caminho de liberdade nunca antes experimentado. Entretanto, tanta liberdade acaba também se tornando sua ruína, e a jovem entra num vórtex de experiências e experimentações que, muitas vezes, acaba magoando as pessoas ao seu redor.
‘A Cronologia da Água’ é baseado em eventos reais, inspirado no livro de memórias de Lidia Yuknavitch. Por isso, é difícil delimitar o que poderia ter sido construído de outra forma no filme, uma vez que se os eventos reais ocorreram dessa forma, como poderíamos opinar o contrário? Entretanto, certamente não precisava de cento e vinte e oito minutos para contar a história de uma pessoa real desconhecida ao público.
Isto dito, o empenho de Kristen Stewart em seu primeiro trabalho como diretora é perceptível no seu ‘A Cronologia da Água’, e chega a ser possível enxergar uma assinatura da diretora – tomadas mais melancólicas, muito close nos rostos, enquadramentos recortados dos corpos, uma montagem por vezes abrupta que intensifica a ação, cores pastéis em contraste com uma cor mais forte vez ou outra. A forma como Lidia se apresenta no filme lembra por vezes os trejeitos de Bella Swan – contemplativa, observadora, de poucas palavras – o que faz com que o espectador mais atento consiga traçar esse caminho percorrido pela atriz para se tornar a diretora que é hoje.
O roteiro de Andy Mingo com colaboração da própria Kristen é dividido em capítulos e acompanha a trajetória de erros, tentativas, fracassos e mais erros de uma protagonista de uma cidade do interior cujas violências sofridas são devolvidas ao mundo em forma de destempero e imprudência. Por vezes o roteiro volta no tempo para contar mais um pedaço do enigma Lidia, em outros momentos, a narração da protagonista se sobrepõe, alternando o ritmo do filme.
Depois de assistir a ‘A Cronologia da Água’, fica claro que esse projeto é a cara de Kristen Stewart e é um ótimo começo para a mais nova diretora do pedaço. Firme e competente, Kristen demonstrou domínio e segurança ao conduzir uma história sufocante, violenta, sensível e quebrada, imprimindo sua marca no hall do cinema para muito além dos vampiros – que ficaram totalmente no passado.